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No Outono de 2004, O então Presidente da República Jorge Sampaio anuncia a intenção de dissolver a Assembleia da República, lançando o país no caos político.
A decisão de Sampaio chocou por ser inédita pois nunca antes um governo havia sido dissolvido, pelos motivos dados por Jorge Sampaio. Um factor, no entanto, era novo: o facto de tal governo ser liderado por um Primeiro Ministro não sufragado. Na sequência do abandono de Durão Barroso a favor de um cargo em Bruxelas, o PSD havia partido do pressuposto que Portugal poderia manobrar politicamente da mesma forma que o Reino Unido, visto que em ambos os casos os eleitores votam em partidos e não em nomes específicos. Porém, a realidade é que o cargo de PM é pessoal e a personalidade do líder do governo é um grande factor na escolha dos eleitores.
Sampaio justificou a decisão com a instabilidade governativa desde a indigitação de Santana Lopes para o cargo de PM mas a verdade é que a Direita sempre viu a decisão de Sampaio como interferência presidencial descarada, no processo político. Instabilidade política era de esperar de um novo PM que era obrigado não só a constituir um novo governo, equilibrar a relação de forças no próprio partido e articular tudo isto com o parceiro de coligação CDS-PP. Vários governos anteriores tinham passado por fases de entradas e saídas de ministros sem verem o Presidente convocar eleições antecipadas e, ainda mais descabido, o cargo em torno do qual a polémica constituiu a gota de água para Jorge Sampaio, era o Ministério da Juventude e Desporto – dificilmente um cargo vital da estrutura de qualquer governo.
Porventura pior um pouco do que a própria decisão de dissolver a AR, a decisão de Sampaio imputou ao PSD uma descredibilização política que viria a conceder ao PS uma maioria absoluta apesar de liderado nas eleições antecipadas por um candidato fraco, e ainda por cima, um candidato de nome José Sócrates. Alguém, nos dias que correm, se atreveria a argumentar que um governo Santana Lopes teria sido pior que o consulado de Sócrates?
No entanto, a Esquerda sempre defendeu a decisão de Jorge Sampaio e certamente que o PS nunca fez nenhum mea culpa pelos anos Sócrates; muito pelo contrário, o país é neste momento governado pelo seu número 2. Por conseguinte, por mais destrutiva que a decisão possa ter sido, foi a Esquerda que inaugurou o precedente e é de acordo com tal precedente que o resto do sistema político se terá de reger. De facto, de precedentes do PS viverá o país por muitos anos e eles são muitos para listar: desde o precedente de uma geringonça com partidos extremistas, do da politização da liderança da Assembleia da República, do facciosismo na nomeação de vice-presidentes da AR ou do nepotismo demonstrado na nomeação para cargos governamentais. A Direita foi a primeira a contestar esta conduta política mas a Direita tem agora asportas abertas para fazer o mesmo sob pena de a Esquerda se assumir como hipócrita ao criticar.
E é aqui que se separam as águas entre PSD e CH. Perante a grande contestação suscitada nas hostes da Direita pela constituição da Geringonça, inclusive com direito a manifestações à porta do parlamento, a liderança do PSD aprendeu a lição… de que era necessário virar à esquerda. É este o pecado eterno da Direita ‘moderada’ em Portugal: que perante os maiores abusos e violações das tradições nacionais, a resposta não é a contestação e a indignação mas sim a complacência e o compromisso. Consequentemente, as Esquerdas progridem de abuso em abuso até ao compromisso final. A Esquerda pode ser revisionista da toponímia e dos manuais escolares, pode condecorar terroristas, pode exigir segundos referendos, pode violar a Constituição nos cargos parlamentares e basicamente fazer tudo o que lhe apetece; a Direita nunca responderá na mesma moeda. A criação do CHEGA! é a resposta de uma Direita que se encontrava saturada de tudo aturar da Esquerda, perante a bonomia dos seus representantes políticos.
Tanto o PSD como Marcelo Rebelo de Sousa perderam, desde 2019, cerca de 20% do eleitorado. MRS triunfou na sua reeleição graças à colaboração da liderança socialista e graças a um posicionamento populista próximo de causas de extrema-esquerda como o apoio aos criminosos e à imigração ilegal. Contudo, o PR sabe que queimou definitivamente qualquer futuro político à Direita. É importante salientar que MRS poucos problemas ou linhas vermelhas teve com a geringonça mas perante a possibilidade de uma coligação entre PSD e CH, o Presidente afirma “não haver solução governativa”.
A crise que o governo enfrenta é, segundo o comentariato do sistema, muito ligeira e apenas empolada pelos media sensacionalistas e pelos actores políticos demagógicos. Alguém que os ouvisse poderia pensar que se trata da demissão de um ou dois subsecretários de estado da cultura ou algo parecido. A realidade é muitíssimo pior e mais grave.
O problema começa pela extensão da crise que, durante um ano de governação, viu saídas ou escândalos do governo semana sim semana não. Este é, supostamente, um governo com experiência e quadros, e recém indigitado com uma maioria absoluta. Foi sufragado, tem plenos poderes e já teve a oportunidade de fazer remodelações governamentais, pelo que nada justifica instabilidades. Todavia, o governo já vem ferido de origem tendo ficado infame com manchetes nacionais e internacionais a propósito do nepotismo inaudito na composição do governo, para não falar da má reputação de muitos ex colegas de José Sócrates no governo da bancarrota.
À extensão junta-se a gravidade dos escândalos políticos. Os ministros e secretários de estado têm saído de ministérios de primeira linha do governo de António Costa, nomeadamente da Saúde e das Infraestruturas. A Saúde praticamente geriu o país durante a crise pandémica e Pedro Nuno Santos, para além de ser um delfim do PS, foi a cara da política de bandeira do governo de António Costa: a renacionalização da TAP.
Da Saúde nenhuma responsabilidade foi assumida (nem exigida pelo PR) acerca do excesso de mortalidade, dos abusos inconstitucionais dos confinamentos, nem sequer do tratamento preferencial em benefício das grandes superfícies e das multinacionais.
No dossier da TAP, o PS escolheu apostar politicamente numa empresa já privatizada e em dificuldades financeiras. Foi uma aposta arriscada mas foi opção voluntária do PS, que dela poderia ter lavado as mãos alegando que a privatização de Passos Coelho lhe retirava autoridade para decidir o futuro da empresa. Não só o PS fez da TAP bandeira política mas é neste momento responsável por notória politização de uma empresa pública, de ferir a Lei com anulações retroactivas de políticas governamentais, de escabrosa incompetência na gestão da empresa que se encontra mais deficitária que nunca, e de se ver obrigado a reverter a renacionalização, para humilhação de todos os envolvidos no processo, incluindo o actual Ministro João Galamba, que durante anos pautou a sua actividade política pela defesa da renacionalização. Cai a política de bandeira de Costa, são humilhados os seus delfins, e o resto do governo está em caos. Para nem falar em Medina que cairá assim que a situação financeira internacional se agravar, depois de anos de manipulação monetária e endividamento no Ocidente. Entretanto, Costa vai fazendo planos para se mudar para Bruxelas.
Perante a situação política, opina o Presidente que …não se pode fazer melhor …
Já o líder do PSD, depois de meses de indefinição, parece ter decidido que a estratégia para lidar com o crescimento do CH, é chantagear o seu eleitorado com um potencial 3° governo socialista, se o PSD não puder formar governo sozinho ou com partidos anti-CH. Porventura em concertação com o PR, Luís Montenegro espera pacientemente por sondagens que lhe dêem a vantagem em coligação com a IL. Para deixar clara a posição do PSD de Montenegro: a única linha vermelha é perante o CH. O PS, mesmo se coligado com a Esquerda mais radical, é mais tolerável para o PSD, que o CH de André Ventura. Eu reitero: o PS que advoga a demolição do Padrão dos Descobrimentos e o aluguer coercivo, é melhor alternativa do que André Ventura… A escolha de Montenegro será julgada pelos eleitores mas para já parece que o futuro político de Montenegro já tem fim à vista pois não poderá continuar como líder se o PSD for forçado a um entendimento com Ventura.
Que dizer da esperança de Marcelo e do PSD, de uma transferência de voto útil do CH para o PSD? Não se anteveem bons augúrios. As sondagens têm demonstrado uma transferência de voto entre a IL e o PSD mas não com o CH. Quem vota CH, com razão ou não, já não acredita no sistema. Ao estigmatizarem o partido de Direita, os partidos do sistema criaram uma formação política excepcional, com muito maior resiliência. Tanto a liderança como os eleitores do CH preferirão sempre ser oposição, a fazer favores ao sistema. Quanto ao voto útil, a partir do momento em que todos os partidos podem fazer parte de soluções de governação e o sistema passa a perfeitamente parlamentarista, os eleitores deixam de ser obrigados a votar nos dois grandes e o voto útil deixa de fazer sentido.
O fantasma de Sampaio não assombra apenas a Esquerda mas também a Direita: a primeira devido aos precedentes deixados e a segunda pela falta de contestação perante os abusos. Os eleitores do CH são os que não esquecerão todos os favores e falta de espírito combativo do PSD e do CDS perante os excessos da Esquerda. Para a Direita, o PSD e Marcelo falam com voz grossa mas para se oporem a todos os abusos e postura anti-democrática das Esquerdas, pouco tiveram a dizer. Rio permite acabar-se com os debates quinzenais, Marcelo nada tem a dizer do boicote aos vice-presidentes do CH e da IL, nem dos pedidos de ilegalização; o que é importante é se a retórica de Ventura feriu susceptibilidades.
A seu tempo as consequências chegarão.